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domingo, 7 de julho de 2013

OS OITENTA ANOS DE ALFREDO VOLPI

JORNAL A TARDE, SALVADOR, SÁBADO, 17 DE ABRIL DE 1979

É grande a importância de Volpi na arte brasileira
 Recebi da Galeria Cosme Velho, de São Paulo o catálogo da exposição comemorativa dos 80 anos de Alfredo Volpi que há mais de meio século vem trilhando o caminho da arte. É um artista de grande vitalidade ao ponto de quando não gosta de uma obra,  a destrói. Ele acha que nunca chegou ao ápice embora esteja sempre procurando subir em busca do ápice.
Para ele "trabalhar nunca envelhece o homem e todos tem talento, uns mais, outros menos. Quem tem mais, produz mais. A arte para mim é coisa natural e por isso não pode ser uma paixão minha. Quando comecei a pintar, nem conhecia os impressionistas e peguei os mesmos problemas deles.Foi a natureza que me indicou tudo.Quando se abandona a natureza é que começa o expressionismo. De dentro para fora. Depois isto se transforma."
Uma têmpera do mestre Alfredo Volpi
E continuou "A gente se desliga e então só passa a existir o problema da linha, forma e cor. O assunto desaparece. Some a paisagem, some tudo. As minhas bandeirinhas não são bandeirinhas; são só o problema das bandeirinhas. Problema de toda uma construção para resolver em pintura, as cores. Um pintor popular, este sim, faz a bandeirinha pela bandeirinha. Eu já vejo outros problemas, mas no início foi assim."
Aqui as bandeirinhas que tanto marcam sua obra
No ano passado Volpi realizou uma grande retrospectiva no Museu de Arte Moderna de São Paulo e agora expõe na Galeria Cosme Velho. É um artista que prima pela qualidade de sua obra, mantendo seu esquema pictórico em constante busca da perfeição.Sua obra já foi definida e colocada em várias correntes de arte que hoje ele ri com qualquer denominação. Isto demonstra que Volpi está preocupado em criar e não em se colocar dentro deste ou daquele estilo ou escola.
Esta foto mostra Volpi com seu inseparável
cigarro de palha
Nascido em Lucca, na Toscana, Volpi veio para o Brasil em 1898, quando tinha pouco menos de dois anos.Seu pai, de Bolonha, e sua mãe de Toscana, ao chegarem a São Paulo se instalaram em Cambuci, na época uma região rural. Chegou quando os bondes eram puxados a burro. Ele relembra esta paisagem antiga, mas afirma-se incapaz de pintar esta paisagem de hoje cheia de prédios de concreto.
Mas foi o Cambuci rural, o tema das primeiras pinturas de Volpi, que antes de ser pintor dedicou-se ao entalhe, à marcenaria e auxiliar de tipógrafo.
Para Volpi o importante é a cor. "Esse negócio de me colocarem entre concretistas está errado. Afinal eles estão à procura da forma e eu apenas da cor.", diz Volpi.
Ele mesmo prepara suas telas, mistura suas tintas, e afirma serem bem melhores que as encontradas nas lojas.As tintas são diluídas por Volpi em emulsão de verniz e ovo, resultando na têmpera-ovo, na qual são colocados os pigmentos industriais inportados. Muitas vezes ele chega a preparar esses pigmentos. As telas são de entretela e linho puro. O chassis é cuidadosamente preparado para não envergar com a ação do tempo. Volpi acha que este trabalho artesanal de preparo das tintas e das telas descansa a sua mente, porque a pintura em si é muito cansativa. Hoje ele produz apenas três ou quatro quadros por mês, porque o que lhe interessa é a qualidade. É um trabalho moroso e cuidadoso.
Isto mostra uma grande diferença em relação a outros pintores alguns de sua idade, outros mais moços que pintam dezenas de quadros. Por mês sem o cuidado com o trabalho. Tudo é feito às pressas. Às vezes as figuras pintadas mostram a falta de acabamentos, a exemplo de uma exposição que visitei recentemente, onde as figuras sacras concebidas pelo artista estavam inacabadas. É preciso que os artistas, especialmente os moços, se mirem no modo de trabalhar de Volpi. A criação é espontânea mas deve ser enquadrada dentro de uma responsabilidade. A crítica especializada em todo o país e até mesmo no exterior releva o papel de Volpi nas artes plásticas brasileiras. O critico José Augusto França, da Revista Colóquio, de Portugal, afirma que " Volpi pintor metafísico como foi Chirico, propõe ideogramas perfeitos duma nostalgia que a composição abstrata liberta de qualquer sentimentalismo. E sabe também dar um corpo físico novo às formas, com as suas cores de têmpera de ovo que são as próprias cores das paredes idealizadas."
Realmente em toda sua obra Volpi tem demonstrado uma pureza sem igual.
Um artesão que sabe o que deseja fazer, e o importante, o que está fazendo. Podemos citar o seu cuidado em preparar suas telas, suas tintas. Um trabalho hoje relegado pela maioria dos artistas que prefere compra-las, prontas, muitas vezes mal feitas e sem qualidade. Com Volpi acontece justamente o contrário. Assim o material de trabalho ganha maior dimensão com este artista que o trata com carinho e retira desse material tudo que existe de boa qualidade. É por isto que ele consegue belos efeitos de cores, sem deixar de ser simples, que é um traço característico de sua obra.
O que afirmo acima é também confirmado pela crítica Aracy Amaral, da revista Visão que diz: "ele mantém, através de seu profissionalismo irrepreensível, um nível de qualidade pouco visível, um nível de qualidade pouco visível entre os artistas brasileiros, a longo tempo. Além disso sua pintura é singular, identificável, e, embora assinale certas tendências que vigoraram em determinadas épocas como tradições e festas populares, cenas suburbanas típicas dos anos 30, ou a liberação gestual que mostra, de um lado, claramente seu interesse por um pintor como De Fiori nos anos 40, e daí sua paulatina depuração até um aparente geometrismo abstrato. Volpi é sempre pessoal em sua pintura".
Estou citando esses dois críticos, um estrangeiro e outro brasileiro para mostrar a identidade de pensamento e de visão existente com relação à obra de Volpi. As observações são fáceis de serem feitas, devido também a simplicidade da obra do artista. Muito se escreveu, e muito se disse sobre a obra personalizada de Volpi. Sempre o exaltaram, porque este artista sabe trilhar o caminho da arte.

             FORÇA DE UM TRABALHO

Com poucos traços Beneddito
compõe obras de muitas cores
Estive visitando a exposição de Benedito Barreto , na Galeria RAG, na Boca do Rio, onde pude constatar o surgimento de mais um valor nas artes plásticas baianas. Benedito com toda sua humildade rompe as linhas com traços fortes onde os espaços vão sendo ocupados por massas e volumes adequados. Um trabalho criador e cheio de cores envolventes onde as figuras humanas e animadas assumem o seu papel dentro de uma composição plástica definida.
Confesso que fiquei surpreso pois conhecia o Benedito, calmo e humilde. Quando pinta, este artista se transforma e seu trabalho reflete uma inquietação e vontade de criar com espontaneidade. As linhas surgem espontâneas e sem a preocupação do certinho, do rigor acadêmico. No fi a ser observada e admirada por todos aqueles que já foram a Galeria Rag, na Boca do Rio. Os que ainda não conhecem o trabalho deste novo artista baiano devem ir lá, onde está montada sua bela exposição.
Benedito Barreto é um artista integrado com o seu meio e sua formação interiorana. Criou em sua mente uma identificação com as coisas de sua cidade. O boi, o vaqueiro, a baiana, enfim uma gama de gente que vemos nas ruas e na zona rural são captados e lançados com grande força na tela. È um trabalho de um artista forte, que enxerga acima de tudo a importância da natureza. Ele está identificado com ela, e dela extrai o que existe de mais significativo. As cores e o próprio efeito resultante das composições que Benedito Barreto consegue, refletem que sua carreira é promissora.

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