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sábado, 20 de abril de 2024

A ARTE DE NÚBIA ESPINHEIRA TEM A FORÇA DO AFRO

Núbia Espinheira com uma das últimas
obras em seu ateliê.
A artista Núbia Espinheira carrega no seu sobrenome uma grife das artes baianas que é o seu saudoso pai Itamar Espinheira que faleceu em 2010, aos 88 anos de idade. Foi neste ambiente de arte que ela passou a sua infância no bairro da Pituba, numa casa com amplo quintal no meio de mais sete irmãos. Nesta época a Pituba tinha sido uma fazenda de Juventino Silva e que rapidamente foi se urbanizando, e hoje é um dos bairros mais conhecidos da classe média de Salvador-Ba. Ela é normalmente uma pessoa  reservada  e me recebeu em seu ateliê no apartamento onde mora no Horto Florestal, em Salvador. Organizada já tinha separado os quadros que pintou, inclusive os mais recentes e todos os catálogos, recortes de jornais e revistas onde estão publicados artigos sobre sua trajetória artística. Confesso que fiquei surpreso positivamente com a força e a criatividade de Núbia Espinheira que procura exercitar a sua arte com disciplina buscando experimentar novos materiais para que possa depois utilizá-los em suas obras. Vi dispostos numa parede vários pequenos trabalhos feitos em grafite e pastel seco em seus exercícios diários buscando aprimorar sua técnica e o desenho. O ato de pintar precisa ser exercitado com muita frequência
Rostos  surgem no meio a uma composição 
refinada de cores e formas  da artista .
para aumentar a habilidade e criatividade do profissional. Aquele que deseja ser artista tem esta obrigação de sempre estar buscando aprimorar e utilizar novas ferramentas. Núbia  normalmente trabalha com acrílica sobre tela utilizando pincéis e espátulas. Lembrei que seu pai era um mestre na arte de pintar utilizando as espátulas aquelas com cabos de madeira e das pontas finas. Já a Núbia utiliza espátulas mais largas, sem cabo e isto lhe permite trabalhar em grandes telas preenchendo espaços mais generosos com sua paleta de cores.  Estou falando do pai  o Itamar Espinheira porque ela teve uma convivência muito próxima e profícua com ele e seu gosto pela arte passa por esta sua relação, inclusive chegaram até a expor juntos. Sabemos que é muito difícil para os filhos de pessoas que se destacaram em uma área do conhecimento, da cultura ou do mundo empresarial se sobressair. Porém, alguns conseguem tranquilamente como é o caso de Núbia Espinheira que tem uma produção totalmente diferenciada da deixada por seu pai.

Outra obra de Núbia que nos leva
a apreciar a figura humana.
Fez seu curso primário na Escola Nossa Senhora da Luz, no bairro da Pituba, e depois o ginásio e o colegial no Colégio Estadual Manoel Devoto, que é um colégio público localizado no bairro do Rio Vermelho, em Salvador-Ba. Em 1974 prestou o vestibular para a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia. Foi uma escolha natural já que seu pai havia  lhe inspirado a seguir esta carreira. Lembra que o pai não tinha outra atividade a não ser a pintura. Vivia de pintar enfrentando dificuldades, é claro, porque tinha de sustentar oito filhos . Era disciplinado e diariamente pintava e fazia suas próprias telas, até mesmo o chassis e umas travas que costumava colocar atrás das telas para melhor esticar o pano. Ela observava todo este ritual do pai e talvez por isto é também disciplinada em sua arte. Em alguns momentos que independeram da sua vontade teve que interromper sua produção, principalmente quando enfrentou um problema de saúde e em seguida o pai adoeceu e ela foi cuidar dele. Mas, logo depois já estava diante do cavalete desenhando, pintando e prosseguindo construindo a sua trajetória artística.

Obra feita em pastel seco  sobre papel.
Fez um curso de pós graduação em audiovisual com uns especialistas canadenses que vieram ensinar no Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia – IRDEB onde ela trabalhava fazendo ilustrações e outros serviços audiovisuais onde permaneceu por mais de três anos. Casada com o economista e escritor Armando Avena viajaram para o Chile onde ele foi passar uma temporada estudando na Comissão Econômica para a América Latina e Caribe – CEPAL, depois elaborou um projeto que foi premiado. Mesmo estando em outro país ela não largou a sua pintura, e chegou a fazer uma exposição de suas obras em Santiago, no Chile. Ao retornar trabalhou na ilustração de livros, diagramação e até teve uma rápida passagem pela propaganda. Em 1993 foi convidada pelo artista Francisco Liberato e integrar a equipe que estava trabalhando no desenho animado  de longa metragem Boi Aruá. Diariamente ia para o set de filmagens que ficava na Estrada Velha de Ipitanga, em Salvador-Ba desenhando, filetando e fazendo os contornos das cenas. Levou uns dois anos até o término do filme. Interessante saber que o filme Boi Aruá, de Chico Liberato é baseado numa obra de Luís Jardim O Boi Aruá que conta a história de um fazendeiro de nome Tibúrcio cujo poder é desafiado sete vezes pela aparição do Boi Aruá. Era grande o seu desejo de capturar o boi preto e misterioso que se apresentava metafórmico sendo ora um simples boi e ora uma espécie de Exu, depois como uma constelação e até incorporava o próprio fazendeiro/vaqueiro. Já no filme finalmente, o boi se revela ao vaqueiro Tibúrcio. Tem músicas do maestro Ernst Widmer e de Elomar. A estética do O Boi Aruá é baseado nas xilogravuras do cordel.

                                                                         SUA ARTE

A temática afro surge na maioria
das obras
.
A arte produzida por Núbia Espinheira tem uma linguagem própria. Ela se utiliza da cultura local e mistura cores e traços criando uma atmosfera que perpassa o expressionismo com alguns sinais do figurativo a caminho do abstracionismo. É uma pintura que nos encanta e dá prazer em ver, em buscar em cada detalhe algo que se identifique com a nossa Bahia cheia de cores, sons e encantos. Me disse que sua busca visa realizar um trabalho autoral a cada quadro que pinta deixando ali sua marca do aprendizado que acumulou através das vivências e do tempo que passou e passa diante de uma tela nua que lhe desafia a deixar ali a sua passagem, as suas pegadas,  a sua criatividade, as suas emoções e experiências. 

Tive o prazer de ser colega de sala no Curso de Ciências Sociais na então Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal da Bahia, que funcionava na Avenida Joana Angélica, do seu primo Gey Espinheira.  E agora me deparei com um texto escrito por ele para a exposição de pinturas que Núbia fez intitulada Os Segredos de Ifá onde está escrito: “A pintura jamais é passiva, ela fala com o espectador, questiona e responde: conversa. -Você sempre soube disto, não Núbia? Esses quadros, esses temas... Uma atmosfera encantada. São seres extraordinários em nossa vida cotidiana. Os odus, os filhos de Orumilá. Eles estão em toda parte, eles nos leem, eles revelam a nossa sorte. Os odus conhecem os segredos: “Um fala de nascimento, outro da morte, /Um fala dos negócios, outro da fortuna, / Um fala das guerras, outro das perdas, / Um fala da amizade, outro da traição, / Um fala da família, outro da amizade, /Um fala do destino, outro da sorte.” O texto do Gey Espinheira continua falando dos odus com seus segredos distintos, e a artista traz em suas telas imagens de suas ferramentas e de seus símbolos que tanto aprendemos a apreciar e a respeitar.

Quando da exposição que Núbia Espinheira fez na NR Galeria de Arte, em 2001, da minha saudosa amiga Julieta Isensée, a July, a grande colunista social da Bahia por muitos anos, o professor e pintor Fernando Freitas Pinto escreveu um texto. Vejamos um trecho: “São vinte e um  trabalhos em acrílica sobre tela, com colorido intenso, integrando formas e cores, nas manifestações do nosso carnaval e do candomblé. Os quadros de Núbia Espinheira primam pela espontaneidade, pelo ritmo e pela variedade das cores. O amadurecimento do traço e a figuração cada vez mais abstraída são algumas das características dessa nova fase da artista”

Vemos nesta obra  tendência 
à abstração .
Núbia Espinheira continua pesquisando e aprimorando seu desenho e sua arte de pintar. Vemos que mesmo inspirada na  cultura baiana e nas manifestações populares e religiosas ela com seu jogo de formas e cores tem uma tendência natural a abstrair as figuras para que não fique uma coisa chapada como acontece com muitas obras que estamos acostumados a ver por aí. O espectador de suas amplas telas é presenteado com um colorido forte e alegre , com traços e outros elementos geométricos que se misturam e  se cruzam onde a figura humana muitas vezes aparece timidamente. Sua pintura tem a sensualidade desta gente vinda do continente africano com suas danças e seus cânticos e o colorido forte das suas vestes. Tudo isto está presente na obra de Núbia Espinheira numa forma muito bem resolvida, que nos dá um prazer inexplicável de ir passando os olhos nos imensos espaços espatulados com maestria.

Numa reportagem publicada na Relíquia tem um pequeno trecho de um texto de Jorge Amado que aqui reproduzo porque mostra um pouco deste fazer da Núbia Espinheira. Vejamos: “Nessa terra tudo é misturado – anjos e exus, o barroco e o agreste, o branco e o negro, o mulato e o caboclo, o candomblé e a igreja, os orixás e os santos, a opulência e a miséria, tudo misturado. Os sentimentos e os ritmos, os mistérios também”.

                                                  EXPOSIÇÕES

Bela obra com a temática afro.
Fez sua primeira exposição em 1976 na Galeria Cañizares, e em 2004 expôs nos Estados Unidos na Móbile Art Gallery, em Boston, no estado de Massachusetts. Exposições Individuais: 1992- na Frente Verso Galeria de Arte, Salvador-Ba; 1995 expôs na ADA Galeria de Arte, Salvador-Ba; 1998 na Galeria ACBEU – Associação Cultural Brasil Estados Unidos, Salvador-Ba; 2001 na NR Galeria de Arte com o título de Mítica e Magia, Salvador-Ba. Exposições Coletivas; 1976- Galeria Cañizares, Salvador – Ba; 1977 – Semana de Arte, Escola de Belas Artes da UFBA, Salvador-Ba; 1978 – Atelier Los Naranjos, Santiago do Chile, Chile; 1980- Panorama Galeria de Arte, Salvador-Ba; 1986 – Exposição na Câmara dos Vereadores, Salvador-Ba; 1988 – no Foyer do Teatro Castro Alves, A Criança na Visão do Adulto, Salvador-|Ba; 1988 – Fundação Cultural Gileno D’ Velírio , Cruz da Alma, Bahia ; 1988 – Arte Nata Galeria de Arte, Salvador-Ba;1989 – Galeria Beco da Arte, Salvador-Ba; 1990 – Centro de Memória das Águas, Salvador-Ba; 1992 – Eco 92, no Rio de Janeiro, RJ; 1994 Shopping Barra – Artistas Contemporâneos, Salvador-B|a;1995 – ADA Galeria de Arte, Coletiva de Maio , Salvador-Ba;1997 – Barcelona Espaço Cultural, Salvador-Ba;1998 – Galeria Cores do Brasil – São Paulo,SP;2000- Shopping Lapa – Mostra Touromaquia, Salvador-Ba e 2005 – Espaço Cultural do Ateliê, Acervo jornal Tribuna da Bahia, Salvador-Ba.

 

 

 

 

 

 

sábado, 13 de abril de 2024

A SAGA DA CERAMISTA BAIANA SELMA CALHEIRA

A Selma Calheira com alguns
dos seus Homens de Barro.
Vou falar hoje de uma mulher com pouco mais de 1,60 que nasceu numa fazenda de cacau na época em que a produção baiana era respeitada e a comoditie tinha uma alta valorização no mercado internacional. O dinheiro não era problema para os cacauicultores baianos que viviam viajando entre o Rio de Janeiro e Paris como fossem tomar um ônibus ou trem para a periferia de Salvador ou outra cidade brasileira.  Foi neste ambiente que nasceu em quatro de janeiro de 1958 a Selma Abdon Calheira filha de Rômulo Teotônio Calheira e d. Enésia Abdon Calheira. Eles moravam numa fazenda chamada de Terra Boa e ela tinha mais seis irmãos. Seus avôs eram imigrantes libaneses e na época chovia muito na região do município de Ibirataia, localizado na região cacaueira, distante 344 Km de Salvador. Selma lembra da dificuldade de frequentar a escola primária porque iam da fazenda até a cidade montados em burros e cavalos para estudar o primário, isto por volta da década de 60. Então sua mãe decidiu morar na cidade e dois anos depois veio a falecer, e Selma tinha apenas nove anos de idade. Assim seu pai se viu com a dupla missão de tocar os negócios da fazenda e também cuidar de sete filhos menores. Foi então que os filhos maiores passaram a ajudar a cuidar dos menores, e lembra que ela cuidou de três irmãos menores por algum tempo. Como seu pai tinha certo prestígio os amigos e políticos locais o incentivaram a se candidatar a prefeito e depois de alguma relutância ele resolveu aceitar o desafio e tornou-se prefeito. Com quinze anos de idade era a Selma Calheira quem acompanhava o pai nas solenidades fazendo o papel da primeira dama.

Selma em cima de um andaine trabalhando 
na cabeça de uma das esculturas.
Quando perguntei de onde veio este dom artístico de dar vida ao barro inerte, transformando em esculturas monumentais e objetos de design foi aí que a Selma Calheira lembrou que sua genitora Enésia Abdon Calheira sempre procurava fazer belos arranjos utilizando materiais que encontrava na fazenda como flores, palhas, ramos, gravetos e folhas de palmeira. “Ela fazia arranjos incríveis e a nossa casa sempre vivia arrumada como se fosse um dia de festa”, falou com um misto de orgulho e saudade de sua mãe. Ela também quando criança começou a se interessar pelo barro como acontece com muitas crianças da zona rural que fazem panelinhas, bois, cachorros e outros animais que têm contato para brincar. Este contato com o barro desde criança para a maioria se perde no tempo, mas a Selma ao contrário quando adulta foi se reencontrar com o barro e nunca mais parou. Hoje é uma ceramista de nome nacional e internacional.

Pessoal que trabalha na cerâmica durante a
cerimônia da Queima que  faz anualmente.
Voltando ao pai prefeito ela bem jovem decidiu criar uma biblioteca para que as crianças da Cidade e mesmo os adultos encontrassem livros para aumentar seus conhecimentos. Foi assim que fundou a primeira biblioteca pública de Ibirataia, interior da Bahia, e passou a dirigir de 1975 a 1977. De lá para cá a biblioteca foi mudando de lugar a cada nova administração municipal até que a fecharam. Selma ficou muito chateada, mas soube recentemente que vão criar um Centro Cultural na Cidade e que a biblioteca vai voltar a funcionar. Ela não tem ideia se o acervo da antiga biblioteca ainda existe guardado em algum lugar.

Esculturas de negras. Selma
sofre com as cópias de suas 
obras por inescrupulosos.


Já morando em Salvador enquanto estudava o segundo grau fez alguns cursos livres de pintura na Galeria Panorama e em seguida estudou na Escola Baiana de Arte e Decoração – Ebade, em 1977. Depois foi morar no Rio de Janeiro na casa de um amigo de seu pai o médico Othon Fernandes que a recebeu como uma filha, conta ela. O objetivo era o vestibular para Arquitetura, terminou cursando Licenciatura em Educação Artística, na Faculdades Benett, no Rio de Janeiro, turma de 1982. Como o triste episódio da vassoura de bruxa arruinou a produção de cacau na Bahia seu pai enfrentou alguma dificuldade financeira e a Selma se viu forçada a voltar. Foi aí que começa a sua saga. Ela não voltou. Passou a procurar emprego, e foi vender livros, mas não gostou deste trabalho. Resolveu fazer pequenos objetos de cerâmica e também a comprar alguns produtos para revender. Assim foi sobrevivendo até que um dia procurou a direção da Faculdades Integradas Benett e tentou uma bolsa de estudos para terminar o seu curso. Conseguiu uma bolsa parcial e em troca trabalhar numa espécie de ong o Instituto Cultural do Povo, em 1982, que funcionava o bairro da Gamboa, no Rio de Janeiro, localizado atrás da Central do Brasil e era mantido pela faculdade ligada à igreja metodista. No Instituto tinham oficinas de várias profissões e lá encontrou-se com a ceramista Rosa Werneck e passou a trabalhar e ensinar aos alunos como mexer com a argila.

Um dos amplos galpões da área de produção 
de sua cerâmica na cidade de Ibirataia-Ba.
Foi se empolgando e partiu em 1981 para o Parque Lage onde sempre são oferecidos cursos livres de pintura, escultura, cerâmica e outras atividades artísticas. Queria estudar com a professora e ceramista Celeida Tostes. Como acontece na vida sempre as coisas não acontecem como a gente espera. Não havia mais vaga. Então se matriculou no curso de escultura com Jayme Sampaio. Porém, pelas suas habilidades ganhou a confiança do professor que ensinava no turno matutino e a Celeida Tostes no vespertino. Assim passou a ser  assistente de Jayme Sampaio e o professor deixava as chaves da oficina com ela que ficava trabalhando e entrava pelo turno vespertino. Com esta sua disposição e demonstração de suas habilidades na arte da cerâmica terminou conseguindo estudar com a Celeide Tostes e também a ser sua assistente, o que ela tanto almejava. A professora Celeida veio a falecer em 1995 aos 74 anos de idade.

Selma trabalha no torno em
uma das suas esculturas.
Trabalhou muito pesquisando argilas e decidiu participar de exposições. Criou a Oficina Arte do Fogo e passou a trabalhar com alguns ajudantes. Foi nesta época em 1983 que o famoso cineasta brasileiro Cacá Diegues estava montando sua equipe para as filmagens de Quilombo. Por sorte procuraram a Celeida Tostes que a indicou, e o pessoal da produção do filme a procurou porque ele queria fazer vários objetos para servir de cenário para as filmagens. Ela foi para o bairro do Xerém, no Rio de Janeiro, onde estava o set de filmagens e partiu em busca de oleiros para encontrar a argila apropriada para produção das peças, além de convidar ferreiros, cesteiros e outros artesãos para compor o grupo afim de produzir, potes, gamelas, moringas, cestas de vários tipos e objetos de ferro. O filme de Cacá Diegues é uma coprodução brasileira e francesa e foi concluído em 1984. O roteiro é baseado nos livros Ganga Zumba, de João Felício dos Santos e Palmares, de Décio de Freitas. Teve um razoável sucesso de bilheteria.

Por causa do trabalho foi conversar com a Diretora das Faculdades Integradas Benett a professora Maria Augusta no sentido de conciliar as atividades do curso com o trabalho na produção das filmagens. Porém, dois professores não concordaram e ela teve que trancar a matrícula na faculdade. Passou sete meses no

Em cima do andaime Selma e   
trablha numa das esculturas
da série dos Homens de Barro.
set das filmagens, porque chovia muito na região e surgiram outros problemas. O filme foi se arrastando e dois meses antes de sua conclusão ela saiu. Decidiu com o dinheiro que ganhou nas filmagens comprar alguns equipamentos e passou a colocar seus produtos em lojas de design e decoração. Foi quando sofreu um acidente ao manipular uma das máquinas, perdendo um dedo. Mas, isto não o desestimulou. Juntamente com a artista plástica Milú Byington abriu em 1984 um ateliê no bairro da Barra da Tijuca, que esta época era pouco habitada e por lá passaram três anos. Chamou o ateliê de Cores da Terra onde fizeram muitos eventos, seminários sobre cerâmica primitiva e elementos naturais. Era um ponto de encontro de artistas e intelectuais. Houve uma divergência com a sócia e resolveram acabar com o ateliê. Diz que produziu esculturas imensas, que não sabe o seu paradeiro, depois da ocupação das terras onde ficava o ateliê. Já durante o governo de Leonel Brizola em 1984 foi convidada pelo Serviço Social do Comércio – SESC para participar do Projeto Emprego e Renda com o objetivo de identificar talentos na favela do Borel e Rio das Pedras, em Jacarepaguá Nesta época foi morar no Rio das Pedras, que fica perto do Borel, e lá conheceu uma senhora nordestina de 70 anos, chamada Maria do Barro que viajava para várias partes do país fazendo oficinas de cerâmicas ensinando os jovens e adultos a trabalhar com o barro. Forneceu a ela uma máquina e outros materiais e confessa que esta convivência foi uma experiência muito rica. Maria de Lourdes Cândido, a Maria do Barro, morreu aos 82 anos de idade em 2021.

Seis Homens de Barro.
Existe uma penitenciária feminina que fica no bairro de Bangu chamada de Talavera Bruce onde permaneceu ensinando por um período Programa de Ressocialização. Depois foi trabalhar no bairro de Valença, no Rio de Janeiro, no resgate das culturas perdidas pesquisando e ensinando manejar o barro. Disposta como sempre alugou em 1987 um sítio localizado em Pedra de Guaratiba, que é um bairro que fica na zona oeste do Rio de Janeiro e lá construiu um forno e passou a produzir. Logo depois foi procurar as lojas chics de design e  apresentava e expunha as suas peças, principalmente nas lojas localizadas em São Conrado, no Rio de Janeiro, e em seguida expandiu sua ação até São Paulo. Isto garantia a sua sobrevivência com dignidade até que conheceu o seu marido, o alemão Franz Rzehak e ficou grávida. Outra mudança drástica. Resolveu voltar em 1989 para sua terra natal Ibirataia e sua grande preocupação era como iria escoar a sua produção, ou seja, como as peças que ia produzir chegariam às lojas de decoração e design  do eixo Rio-São Paulo? Mas, foi em frente e com ela vieram cinco caminhões carregados com suas tralhas, máquinas, fornos, barro e uma infinidade de coisas. Lembra Selma Calheira que o acesso a fazenda era problemático porque chovia muito na região e as estradas de terra ficavam intransitáveis com tanta lama. Foi quando um primo seu lhe ofereceu de empréstimo uma casa no distrito de Japumirim, município de Itagibá. Recomeçou a fazer colares, pequenas esculturas, contratou alguns ajudantes e passou a vender em Salvador e outras cidades brasileiras. Não contava com qualquer logística e tinha que embalar, etiquetar, tirar notas fiscais etc.  

Esculturas em tamanhos diferentes que 
apresentou numa feira recente no
Centro de Convenções em Salvador.
Disse que foi muito difícil este recomeço, principalmente porque estava com uma criança para cuidar. Ia pegar caixas vazias em lojas e supermercados para colocar suas peças para entregar aos clientes. Numa dessas viagens para São Paulo a fim de mostrar suas esculturas de barro em casas de design e decoração conseguiu vender as Lojas Evolução que comprou quase tudo que ela levou e fez outro pedido. Em 1990 decide juntamente com o marido Franz Rzehak criar a empresa Cores da Terra, na Fazenda Barra do Sapucaia, em Ibirataia, município baiano, com a intenção de fomentar a cultura da cerâmica, o desenvolvimento de múltiplos em cerâmica e ferro, dando também início ao processo de formação e capacitação de novos profissionais. Foi participar da Feira do Sebrae, em Alagoas. Era um evento a céu aberto no estacionamento de um shopping Center. Vendeu tudo que levou. Foi novamente para São Paulo participar da Feira Profissional e foi um sucesso. Já tinha doze assistentes, inclusive alguns deles eram menores aprendizes. Daí em diante em 1992 participou da Feira Grifttes-92 que era a principal feira de design e em 1994 foi para Nova York e a princípio não tinha conseguido vender ou receber uma encomenda porque não havia compradores. 

Selma mostra alguns objetos produzidos;

Foi quando um jornalista a descobriu e fez contato com alguém da famosa loja de departamento Bloomingdale’s. Selma foi lá com um irmão mostrar suas peças  e gostaram dos objetos e fizeram um pedido grande a ponto do irmão que o acompanhava perguntar: Você vai ter condições de entregar tudo isto? Voltaram e trabalharam muito e entregaram todo o pedido. Decidiu que deveria continuar participando das feiras e voltou nos anos 94 e 1995. Atualmente na medida do possível sempre retorna porque lá faz contatos com grandes clientes da área do design. Cresceu tanto que chegou a empregar 350 pessoas. Começaram a surgir alguns problemas inclusive de cópias de suas peças aqui e no exterior. Entrou com alguns processos, porém a Justiça é muito lenta e só lhe trouxe prejuízos até agora. Disse que em 2019 na Feira Maison & Objet, em Paris, encontrou cópias de suas peças em três stands , sendo dois  de origem indiana e ucraniana.

Uma visão do stand no Centro de Convenções.
Continua participando de feiras aqui no Brasil como as feiras Home & Gift e a Têxtil & Home, em São Paulo, que “são feiras dedicadas a promover as últimas tendências do mercado, conectar expositores e profissionais do ramo, além de fornecer um ambiente propício para a realização de negócios e parcerias comerciais.” Foi participando de uma feira em Nova York que ela conseguiu contato com um fornecedor de Bruxelas que hoje é um grande comprador e que leva suas obras para lojas de vários países europeus e dos Estados Unidos. Já fez peças para uma empresa brasileira de perfumes com milhares de peças e hoje exporta através a Design-Gardeco para o continente europeu. Resolveu diminuir a sua produção e hoje trabalha com cerca de sessenta assistentes. Conta hoje com a ajuda de seu filho Igor Calheira Rzehak  que é físico e resolveu assumir a direção da empresa. Sua preocupação maior é fazer grandes esculturas de barro de até cinco metros ou mais. São os Homens de Barro e ela disse que já fez oitenta e que pretende fazer mais. É o seu projeto de criar a Cidade dos Homens de Barro, um museu a céu aberto onde as pessoas poderão visitar e que pretende realizar no seu atual espaço uma espécie de centro cultural.

                                                       OS HOMENS DE BARRO

Foto aérea do complexo Cores  da Terra.
Sua cerâmica tem cerca de 2.800 metros quadrados de área construída  com galpões
apropriados para a produção de múltiplos e toda uma estrutura necessária. Hoje ela trabalha com cerca de sessenta pessoas e vem produzindo e enviando suas peças para várias cidades brasileiras e para a Europa e Estados Unidos. Porém, seu sonho maior  ainda não se realizou totalmente. O objeto é a construção da Cidade dos Homens de Barro onde ela pretende colocar mais de uma centena de grandes esculturas que chama de “esculturas figurativas primitivas” com até mais de seis metros de altura e outras menores para que possa ser uma atração turística de contemplação das cerâmicas como obras de arte num ambiente arborizado e preservado que é um pedacinho da Mata
A ceramista e algumas esculturas da série
Homens de Barro.
Atlântica e com toda a estrutura necessária para uma visitação pública. As esculturas na sua visão representam poeticamente o protótipo de um ser de muita força. Foram e são desenhados por ela e retratam a história fictícia de pessoas simples e corajosas que enfrentam muitas dificuldades para manter uma sobrevivência com dignidade. Selma faz questão de afirmar que respeita os materiais e usa pigmentos naturais criados em seu ateliê. Será um espaço aberto para visitação das esculturas gigantes que funcionará como um platô ou mirante das artes, onde o visitante terá uma visão privilegiada do ponto urbanizado e mais alto da cidade. É importante ressaltar que todo este grandioso trabalho é feito artesanalmente e ela investe muito no aprendizado das pessoas da cidade de Ibirataia e de cidades vizinhas. E "as técnicas de modelagem e queima, têm suas origens em resgates culturais, como a cultura indígena e a valorização da natureza nativas o que vem gerando resultados belíssimos”. Informa a Selma Calheira que algumas tintas utilizadas antes do objeto ir à queima são originadas de diferentes tipos de argilas, fruto de pesquisas realizadas pelos designers.”

 

 

 

 

sábado, 6 de abril de 2024

A ARTE DE ARUANE GARZEDIN DISCUTE O ESPAÇO URBANO X HOMEM

Aruane Garzedin com obras recentes
em seu ateliê no bairro de Pituba.
O meu primeiro contato com a obra de Aruane Garzedin aconteceu em fevereiro de 1998 quando expôs na Galeria Frazão, no bairro do Rio Vermelho, Salvador, obras inspiradas na praia contextualizando o espaço público e as pessoas que as frequentam. Na época escrevi um pequeno texto na minha coluna Artes Visuais, do Jornal A Tarde, e fui reencontrá-la agora já madura com uma trajetória artística consolidada. É arquiteta de formação, professora aposentada de Urbanismo e Paisagismo, da Faculdade de Arquitetura, da Universidade Federal da Bahia, com mestrado e doutorado. Além desta experiência acadêmica Aruane Garzedin trabalhou em órgãos da Prefeitura Municipal envolvida com o urbanismo e paisagismo. Também escreve versos e contos e se divide com a pintura que é o que mais nos interessa aqui.  Lembra que seu livro de contos "Sobre quatro patas há um lugar seguro", foi premiado com edição pelo selo João Ubaldo Ribeiro. Vejo que sua arte  tem uma pegada expressionista e a figura humana é uma presença constante em quase todas suas telas. A figuração sem uma definição realista, mas envolvida entre linhas e camadas de tintas, às vezes monocromáticas outras não. E no jogo de seus personagens sempre tem algo com a crítica social e a defesa do espaço público  onde as pessoas se posicionam. 
A artista concentrada trabalhando numa
nova obra em seu  ateliê.
Portanto, ao pintar a Aruane Garzedin não deixa de trazer seu sentimento de arquiteta e em determinado momento sentiu a necessidade de sair às 
ruas para se expressar nos muros da Cidade levando sua preocupação com o espaço público . Escolheu a d. Nita e a vaca como personagens para sua incursão nesta arte efêmera povoando os muros da Cidade de belos grafites criativos e cheios de significação com suas mensagens.  Todos sabem da efemeridade das obras pintadas em muros porque quase sempre sofrem ataques, não são conservadas, os muros dão lugar a novas edificações, até mesmo uma planta ou erva daninha podem danificá-las, o que acontece com frequência. Ela lembrou que um de seus grafites localizado no bairro da Pituba foi danificado num acidente de carro que se chocou com o muro. Para sua surpresa e satisfação pessoal os moradores da casa telefonaram chamando-a para recuperar o grafite, e assim ela o fez. 

Retrato com o fundo negro
e uso de poucas cores.
 A propósito a atual administração municipal vem dilapidando o patrimônio público colocando à venda várias áreas verdes, como a encosta do Corredor da Vitória e outros locais que merecem ser preservados, já que nossa Cidade é uma das menos arborizada do país.  Salvador precisa urgente de um plano de arborização para aumentar o sombreamento e melhorar o clima, defende a artista-arquiteta. Na exposição que fez em 2008 na Caixa Cultural, localizada na Rua Carlos Gomes, em Salvador-Ba que chamou de Membranas da Cidade ela escreveu: “Na tentativa de explorar e de expressar os significados da Cidade contemporânea busco inspiração nessas superfícies nuas e expostas da Cidade, ainda que sejam aquelas que mais escondem do que a mostram. O processo de apropriação social dos muros da Cidade nos fornece um caminho para uma linguagem plástica, e também para o fazer artístico e é um processo que não tem projeto e nem um fim previamente definido”.

                                                O COMEÇO

Ai vemos as cores aparecendo, ainda
timidamente .
A Aruane Garzedin nasceu em Salvador, a 10 de dezembro de 1959 e na cidade que é a porta da Chapada Diamantina, na Bahia concluiu o seu curso primário onde já demonstrava seu interesse pelo desenho. Seu nome é de origem libanesa seu pai Evandro Garzedin era comerciante e sua Maria Solange Santos Garzedin, professora. Depois de concluir o primário veio com 13 anos estudar no Colégio Maristas, no bairro do Canela, em Salvador, e ao terminar o curso colegial fez vestibular para a Arquitetura. “Na verdade, eu não sabia se  queria inicialmente fazer Arquitetura. Pensava em fazer vestibular para Artes Plásticas,”disse Aruane Garzedin. Mas sofreu algumas restrições por esta sua preferência, o que era natural na época já que ser artista não era uma profissão bem vista, principalmente pela dificuldade de sucesso, já que a arte era pouco apreciada na sociedade baiana. Ela também chegou à conclusão que por ser uma pessoa independente refletiu que se fizesse  Artes Plásticas seria mais difícil conseguir sua independência econômica. Então partiu para o vestibular de Arquitetura, e hoje é uma pessoa   independente e respeitada profissionalmente. Lembra que no início do curso teve alguma dificuldade e só foi mesmo se identificar quando passou a estudar as disciplinas Urbanismo e Paisagismo. “Foi aí que me encontrei. Porque sempre gostei das questões da Cidade, os espaços públicos, a jardinagem, as praças.” Ela até hoje tem esta preocupação com a relação dos espaços públicos  com sua visão de contribuir para a melhoria da convivência social na Cidade.  Acha que a Cidade tem a capacidade de melhorar ou piorar a vida das pessoas e estas preocupações estão de alguma forma presentes em suas obras.

Este belo grafite mostra uma cena que
 acontece no interior das residências ,
onde ela grafitou numa  casa
abandonada no bairro da Federação.
A primeira experiência em Urbanismo foi quando estagiou no Plano Diretor da sua cidade natal Jacobina, depois trabalhou com o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, que fez as passarelas nas principais avenidas de Salvador e também o Hospital Sarah Kubistchek. Disse Aruane Garzedin que foi uma aprendizagem muito rica   porque visitou muitos bairros fazendo levantamentos e diagnósticos. Depois desta foi trabalhar na Companhia de Renovação Urbana de Salvador - RENURB, no bairro da Lapa, que era uma empresa de capital misto, que fazia muitos projetos urbanísticos. Ai Aruane Garzedin trabalhou nos projetos de praças e jardins da Cidade do Salvador. Fez alguns  cursos livres aqui e   no exterior. Trabalhou com a equipe da arquiteta Beatriz Secco, de Brasília, e depois continuou nesta área do paisagismo na Companhia de Habitação de Salvador - COHAB e Superintendência de Manutenção e Conservação da Cidade de Salvador - SUMAC.
 Aruane fez um desenho  que reproduz e
 cola nos locais que deseja. D. Nita participa
 de protestos a exemplo deste contra o
BRT, que tem se mostrado ineficiente.



Não tem experiência de trabalhar no setor privado. Ela acha que no serviço público sempre surgem obstáculos, interferências, é fácil engavetar e mudar o seu projeto, e que muitas vezes estas ações terminam prejudicando todo um trabalho feito com dedicação pensando em melhorar a Cidade. Como urbanista disse estar completamente frustrada pelo que vê hoje em dia em Salvador. E ao passarmos pela orla marítima mostrou alguns espaços de convivência com bancos de costas para o mar, com fileiras de coqueiros nas calçadas e outros espaços mal concebidos. Aruane acha que o coqueiro é inadequado para ser plantado numa calçada porque um coco pode se desprender e fazer uma vítima fatal e também    não gera o sombreamento tão necessário. Seria muito mais interessante o plantio de árvores adequadas que aguentem os ventos e a maresia, as quais dariam sombreamento e melhoria da convivência social entre as pessoas. Defende também que algumas calçadas são muito estreitas e precisam ser alargadas para dar mais espaços aos moradores , inclusive aos cadeirantes, e ser um local de conversa. Entende que temos que arborizar esta Cidade e a necessidade de conscientizar as pessoas sobre a importância das árvores. "Com as árvores  podemos colocar bancos para as pessoas conversarem, para que haja um entrosamento maior entre os moradores e melhor uso do espaço público na Cidade". Seu novo projeto artístico Cidade Desafeto,mistura de realidade e ficção para colocar em cheque os falsos conceitos desse urbanismo depredador", adianta Aruane.

Este grafite na Pituba ela teve que refazer  
por solicitação do morador após ter sido
danificado por um acidente de trânsito.
Informou ainda que o conflito e a preocupação com a acessibilidade começaram a existir principalmente da década de 80 para cá. Ela concorda que algumas árvores que foram plantadas por Guilhard Moniz especialmente as amendoeiras e barrigudas poderiam ser erradicadas, mas para isto é preciso ter um planejamento de reposição imediata de outras espécies e com mudas com 1,80 m de tamanho mais adequadas ao espaço urbano. Mesmo reconhecendo que as amendoeiras sujam muito com suas folhas que caem e os frutos que atingem muitas vezes as pessoas e carros, mas que elas amenizam o clima com seu sombreamento. “Veja quando temos umas três amendoeiras juntas num dia de sol a gente sente que debaixo delas o ambiente fica mais agradável”, adianta Garzedin. É verdade!

                                                                 SUA ARTE

Obra em acrílica sobre tela da exposição
Membranas da Cidade, de 2008. 
Aruane Garzedin   já passou por algumas fases e  sua pintura  é figurativa tendendo ao abstrato. Procura incorporar outros elementos e gosta de trabalhar as texturas com camadas de tintas. "Minha pintura tem algo do clima, algo psicológico de me interessam, algo que evoca algumas coisas que estão até fora daquele desenho”, disse Aruane Garzedin. 
E prosseguiu: "O meu trabalho artístico está sempre em transformação a partir de novos conceitos e procedimentos da experimentação que vai me levando a outros caminhos. Das correntes artísticas da arte moderna, o expressionismo é a que mais me inspira. Gosto da gestualidade das pinceladas , das superfíceis mais densas de matéria,bem como do uso do  desenho de forma livre. Enfim, o meu trabalho tem muito de figurativo, embora nem sempre ,mas sem um sentido realista ou narrativo".
Falou ainda que não sofreu influência de artistas, mas que admira  o holandês Rembrandt e Egon Sheile. Quando ela pintou alguns retratos, no começo da sua carreira de artista plástica a presença de tons escuros tem muitas vezes influência do psicológico que o artista está vivendo quando de suas pinturas. O Rembrandt foi o maior pintor holandês de todos os tempos (16006-1669) e usava uma técnica com um fundo escuro da tela, sobressaindo o retrato, apresentando uma dramaticidade das figuras humanas que pintava. Usava também temas bíblicos e mitológicos, com detalhes das joias e vestimentas, e outra característica é que gostava de pintar em telas menores. Também citou o austríaco Egon Schiele (1890-1918) e suas obras tem a presença da sexualidade explícita. Ele produziu vários autorretratos, inclusive em alguns aparece nu, e suas obras mostram corpos contorcidos, o que é uma das características marcantes de sua produção, e é tido como um dos expoentes do início do expressionismo. Porém, entendo que sua arte é expressionista, este movimento de vanguarda que surgiu na Alemanha a partir de 1910 que traz uma forte crítica sociopolítica e pinta com mais liberdade sem a preocupação de mostrar a figura real. Usa camadas de tinta, empasta tudo de acordo com seus sentimentos e sua sensibilidade. Aruane destacou também outros "pintores modernos e contemporâneos que lhe inspiraram em vários aspectos, como por exemplo: a gestualidade da pintura de Iberê Camargo, a materialidade das telas de Antoni Tapies e Anselm Kiefer, o registro do tempo  na obra de Daniel Senise, as manchas de cores em Richard Diebenkorn, para citar alguns, além de artistas da arte urbana."

Veja este pequeno texto extraído da apresentação feita pelo saudoso poeta Ildásio Tavares quando ela expôs no Centro Cultural da CEF :"Todo processo de expressão da arte consiste numa metaforização do real em que a verdade final  (que o artista pretende mostrar) passa por um maior ou menor distanciamento da realidade contingente; sofre uma maior ou menor distorção em seus componentes, reordenados e reagrupados para ganharem um sentido novo, mais verdadeiro que o real, vez que este se escuda em falsas aparências e ao oferecer uma vida melhor para o ser humano, todavia limitam-na; diminuem-na; estrangulam-na nas angústias do cotidiano".
Obra da série Praias onde a artista pintou
uma cena do cotidiano das praias baianas
.
A personagem D. Nita que criou ao grafitar os muros da Cidade do Salvador tem até perfil no Instagram, onde estão seus principais grafites e segundo este perfil “é filha de Oxum, não gosta de muros e nem de preconceitos. Amorosa e corajosa, era do lar, agora vai pra rua defender o meio ambiente e a democracia”. Esta personagem já participou de exposição em São Paulo, no Instituto Tomie Otake e também de protestos de rua defendendo as árvores contra este ineficiente BRT construído em pleno século XXI. Informou Aruane Garzedin que D. Nita nasceu a partir de memórias e observações do cotidiano de mulheres, muitas vezes heroínas em suas sagas pessoais, mas invisibilizadas na sociedade. O meu projeto artístico pretendia dar voz a essas mulheres, levá-las a frequentar lugares dos quais normalmente estavam excluidas."
Claro que vemos uma  identificação entre a artista e a personagem que criou, parece que ela ao sair às ruas grafitando se sente a própria D. NitaTambém quando Aruane Garzedin grafita suas vacas ela está fazendo a interface entre o rural e o urbano. Quanto as vacas que ela grafita disse que "carregam muitos significados simbólicos e afetivos, além de remeter aspectos de uma urbanidade precária". As vacas precisam de espaço para andar e pastar enquanto os habitantes da Cidade precisam não apenas do seu lote onde está construída sua casa ou apartamento, eles necessitam sair e andar em calçadas largas e adequadas à acessibilidade. As calçadas também são locais de conversas, de jogar uma dama, comer um acarajé, um milho cozido, tomar uma água de coco. Para isto é preciso também arborizar a Cidade adequadamente com espécies que suportem o clima de uma Cidade que tem temperaturas altas e talvez a maior orla marítima no seu perímetro urbano. Portanto, enquanto pinta a Aruane Garzedin pensa em nossa Cidade e sua preocupação é pela melhoria da convivência social e em consequência a qualidade de vida das pessoas.

                                                                  EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS

Fez sua primeira individual a Escola de Belas Artes e a última em 2008, na Espanha. Vejamos: 2008 - “Membranas da Cidade”, na Caixa Cultural, em Salvador-Ba; 2000 - Matinada Galeria de Arte Barcelona – Espanha; 1999 - Centro Cultural Casals Sarrià Org. Associação Jovens Artistas, Barcelona – Espanha; 1998- Frazão Galeria de Arte Salvador – Ba; 1995 - Galeria ACBEU Salvador- Ba; 1992 - “O Artista em Destaque” Escola de Belas Artes – UFBA, Salvador- Ba. Ao lado vemos uma reprodução da capa do catálogo de sua exposição  em 1995 ,  na ACBEU.

                                               EXPOSIÇÕES COLETIVAS

Esta gravura ela fez durante
 um curso livre no Parque
 Lage, no Rio de Janeiro.
Já tem registradas várias participações em exposições coletivas aqui e fora do país a saber: 2018-  Leituras e Feituras / O Livro de Artista Árvore – Cooperativa deAtividades Artísticas, Porto, Portugal; 2017 -Livro de Artista,  Centro de Memória do IPAC, Salvador – Ba; 2016 -  Livro de Artista, Exposição Internacional Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador -Ba ; 2016 -  2ª edição do Festival de Graffiti Bahia de Todas as Cores - BTC, Madre de Deus, BA; 2014 -  Triangulações Circuito das Artes, Instituto Goethe, Salvador- Ba ; 2009-  Exposição 2.234 Brasil – Argentina – EUA – França – Espanha - Itália – Inglaterra, Centro Cultural Casarão, Salvador – Ba: 2009 - Arquitetos Artistas Museu de Arte Sacra, Salvador- Ba; 2009 -  Mulheres em Movimento – 2ª edição”, Galeria Cañizares , EBA /  UFBA, Salvador- Ba; 2008 -  Grandes artistas em pequenos formatos, Curadoria Prova do Artista, Museu Regional de Arte – UEFS, Feira de Santana – Ba ; 2005 -  VI Mercado Cultural da Bahia, Aliança Francesa, Salvador – Ba;  2004 -  Arte em Revezamento , Curadoria Matilde Matos, EBEC Galeria de Arte, Salvador – Ba;  2001 -  Exposição 500 anos do Descobrimento da Baía de Todos os Santos, Teatro Gregório de Mattos, Salvador- Ba; 2001 - Sete Caminhos Museu Náutico, Salvador- Ba ; 1997 -  Porto da Barra Espaço Cultural Telebahia, Salvador - Ba ; 1995 -  Projeto Persianas Criativas Shopping Barra, Salvador- Ba;  1995 - Janelas Casa do Benin, Salvador- Ba e em  1994 -  Bahia Arte Atual, Teatro Gregório de Mattos, Salvador – Ba.